A arte não é uma via de expressão subjetiva, mas uma atividade voltada ao bem comum. Esse foi o pensamento-chave do trabalho de El Lissitzky, arquiteto e artista multifacetado, expoente do construtivismo russo.
Sua visão da arte como motor de transformações sociais e seu gênio experimentalista e inovador fizeram dele uma das figuras centrais das vanguardas do século 20. É com a obra “Rússia: A Reconstrução da Arquitetura na União Soviética”, que El Lissitzky é apresentado ao público brasileiro em lançamento da editora Estação Liberdade.
“Todo o construtivismo soviético russo, os suprematistas e as experiências com o largo planejamento territorial e depois urbano, experimentados e discutidos no mundo todo, nessa abertura do século 20, foram a luz da minha formação”, escreve Paulo Mendes da Rocha, considerado o maior arquiteto brasileiro vivo, no prefácio do livro.
“Não se tratava de doutrinas, não eram teorias acabadas. Foram sempre estimulantes aberturas. Bem mais tarde, entre meus colegas e professores e alunos da FAU-USP, ouvi aquilo que fecha a questão: não se pode ensinar arquitetura, mas sim educar um arquiteto”, completa.
“El”
V. Tatlin, 1920, monumento à 3a Internacional (visão lateral).
Editora Estação LiberdadeNascido Lazar Márkovitch Lissitzky, em 23 de novembro de 1890, em Potchínok, na Rússia, o artista ficou mais conhecido como El Lissitzky. Ele estudou arquitetura no Instituto de Tecnologia de Darmstadt, Alemanha, entre 1909 e 1914, quando a eclosão da Primeira Guerra precipitou seu retorno à Rússia.
Irmãos Viesnin, “Palácio do Trabalho”, 1923
Editora Estação LiberdadeA convite de Marc Chagall, lecionou arquitetura e artes gráficas na Escola Popular de Arte de Vitébski, em 1919. Ao lado de Kazimír Maliévitch, foi um dos nomes centrais do suprematismo, vanguarda artística de cunho político que valorizava o uso de cores e formas geométricas básicas.
Foi um artista notoriamente inovador, com trabalhos marcantes e influentes em design gráfico, tipografia, fotografia, fotomontagem e design de livros. Muitas vezes apontado como pai da tipografia contemporânea, El Lissitzky, com suas experimentações de técnicas e estilos, ajudou a inspirar as vanguardas modernas, influenciando movimentos e grupos como o De Stijl, na Holanda, e a Bauhaus, na Alemanha.
A obra
El Lissitzky, 1924, o Wolkenbügel, vista aérea
Editora Estação Liberdade“Rússia: A Reconstrução da Arquitetura na União Soviética” é um livro dividido em três partes. A primeira é um tratado teórico publicado originalmente em Viena no ano de 1930. Ele traz os fundamentos do pensamento arquitetônico de El Lissitzky para a reconstrução da União Soviética, evidenciando o papel da arquitetura e do urbanismo para a consolidação da revolução e fornecendo algumas das diretrizes do que se tornaria a arquitetura moderna.
A segunda parte apresenta uma série de artigos do construtivista escritos entre 1921 a 1926, sobre temas que vão desde a teoria da arte até a produção da ópera futurista “Vitória sobre o Sol”. Os textos ajudam a compreender seus valores e sua visão de mundo, tão bem sintetizados e expressos em sua arte e em sua atuação como arquiteto.
G. Barkhin, detalhes do edifício Izvéstia
Editora Estação LiberdadeNa terceira parte estão textos de colegas contemporâneos de El Lissitzky, que contribuiriam significativamente para definir a arquitetura europeia dos anos 1920. Entre eles destacam-se M. J. Guinsburg, Bruno Taut e Ernst May.
A edição traz ainda planos, croquis, fotografias e ilustrações, representando um registro valioso do período pós-Revolução na Rússia. Os textos complementares apontam a queda das utopias soviéticas e a implantação do realismo socialista.
Assim, Lissitsky em um trecho: “O maior problema atualmente na Europa é a moradia. Se para o Ocidente a tarefa consistia em retomar a realização de obras interrompidas pela guerra, mesmo que sob condições econômicas e técnicas modificadas, na Rússia a questão é solucionar um novo problema social de valor cultural fundamental. Neutralizamos todos os contrastes das formas de habitação, desde os porões dos operários das grandes cidades ao apartamento de vários cômodos ou à mansão particular. Os arquitetos soviéticos receberam a tarefa de criar um novo tipo de célula residencial, não para indivíduos separadamente, em conflito uns com os outros (Ocidente), mas para a massa, como padrão de moradia”.
Afinal, como escreve Paulo Mendes da Rocha: “Assim como os novos destinos, a construção, o desenho das cidades é uma questão política”. E é esta preocupação que permeia as páginas de “Rússia: A Reconstrução da Arquitetura na União Soviética”.
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