"Estamos na contramão das tendências, como a erva que cresce no asfalto", diz Ivan Belkin (de chapéu "uchanka" bege) ao Russia Beyond.
Otava yoÀ primeira vista, o nome da banda “Otava Yo” pode parecer algo reconhecível. Otava viria, talvez, da capital canadense, já que, em russo, “w” se pronucia “v”, e “Yo”, bem, algo da “quebrada”? Bem, nada disso faz sentido quando assistimos aos vídeos de encher os olhos do grupo...
O “Otava Yo” surgiu em 2003, quando um grupo de amigos resolveu tocar sua música nas ruas de São Petersburgo para os transeuntes. Antes disso, eles já enchiam de música – solo, para arrebatar melhor os corações e as doações – as ruas da Finlândia, cuja distância é tão curta da “capital das artes” russa, que é possível viajar de lotação pagando uns poucos rublos.
No asfalto russo, porém, a ideia era se divertir com em grupo. “A gente conseguia reunir um público de 300 a 400 transeuntes que parava para nos assistir em São Petersburgo. Assim a gente arrecadava um bom dinheiro e se diferenciava muito das outras bandas de rua”, conta Aleksêi Belkin, integrante do grupo que é também responsável pela concepção artística dos videoclipes do “Otava Yo”.
O resultado do sucesso nas calçadas foi a gravação, em 2006, do primeiro álbum da banda. Na época, depois de muito pensarem em um título para a banda, o nome foi sugerido pelo membro Piotr Serguêiev.
“‘Otava’ é uma palavra russa antiga que se refere à erva que nasce por regeneração no lugar da grama cortada. E a letra ‘yo’ [ë] é uma exclusividade russa que faz com que nosso amigo Piotr tenha seu nome grafado como ‘Petr’ no passaporte! Isso porque, para economizar tinta, estabeleceu-se uma grafia não diferenciada de ‘e’ e ‘ë’ na imprensa russa – e a transliteração se encarregou do resto. Para além do humor, curtimos o fato de que essa junção maluca de palavras tivesse um sentido oculto: um paralelo entre a regeneração da erva e a raiz do folclore que persiste, apesar de a cidade tomar o campo, como uma ‘otava’ que nasce no asfalto. Somos, na contramão das tendências, essa erva”, conta Belkin.
Na música do grupo, a guitarra se mistura à dudka e a outros instrumentos folclóricos como o gusli. “Nossa música é um folclore ‘depravado’ pela música e pelos instrumentos contemporâneos, mas com muito respeito pelas raízes. Tocando na rua e tendo que captar a atenção dos transeuntes não por 20 segundos, mas por 40 minutos, ousamos tocar melodias e canções que não tinham associação entre si antes, acrescentando, por exemplo, a gaita de fole. O que saiu foi bastante original e se destacou”, diz Belkin.
A variedade de instrumentos folclóricos usada pelo grupo é notável. “Sou um dos que precisa tocar na maior quantidade de instrumentos étnicos possíveis”, explica Belkin.
“Em determinado momento, cansei da gaita de fole espanhola e entendi que queria um timbre mais calmo, e foi quando entrou o ‘gusli’ russo alado [um tipo de instrumentos de cordas tradicional]. Hoje eu posso escolher mais conscientemente os instrumentos e, entre eles, ressaltar a gaita de fole do mestre Vassíli Ivânov. Não há grandes dificuldades em conseguir esses instrumentos, mas é preciso ter em mente que todos esses instrumentos musicais campestres são produzidos por mestres e que não é possível comprá-los em lojas musicais comuns: é preciso encomendá-los individualmente, para depois esperar e então dominá-los”, completa.
Mas a mistura com a guitarra não faz da música grupo um “fusion”, segundo Belkin, já que eles não buscam unir dois estilos diversos para criar um novo. Para ele, a guitarra de Aleksêi Skosirev - instrumento, aliás, feito à mão pelo integrante – é um exemplo clássico de que “quem joga não é o bastão, mas o jogador de hóquei”. “Skosirev toca de uma maneira demasiado sua, muito original.”
O grupo também não acredita que sua popularidade possa ser associada a um aumento do sentimento de patriotismo incentivado entre os jovens pelo governo. “Não gosto da palavra popularidade associada ao ‘Otava Yo’. Não passamos na TV, no rádio. Mas temos uma grande quantidade de fãs em diversos países e isso não tem nada a ver com os sentimentos patrióticos da juventude russa. Nossa popularidade está relacionada a duas coisas: a nossos videoclipes e ao respeito que temos pelo nosso folclore. O governo nem nos ajuda, nem atrapalha.”
Eles já tocaram no Japão, um antigo sonho, em 2018, nos EUA, onde gostariam de tocar de novo, e na Europa. “Seria interessante ir para a América Latina e para a Coreia, tanto a do Sul, como a do Norte. Na verdade, a gente gosta de todo lugar para onde vai, e o público sempre nos recebe muito bem, mesmo que não entenda o que estamos cantando”, diz.
A ideia dos clipes, altamente plásticos e cheios de humor surgiu, aliás, em uma turnê na Polônia em 2010. “Tínhamos três dias de folga sem nada para fazer e uma câmera, e começamos com o clipe ‘Sobre Dima e Pêtia’, já que estávamos hospedados em uma base turística muito parecida com os acampamentos de ‘pioneiros’ [movimento soviético equivalente ao dos escoteiros]”, conta Bélkin.
“Assim, quando começamos a gravar ‘Groove sobre Ivan’, eu já sabia mais sobre a produção e tivemos grande sucesso. Entendemos que devíamos continuar com os clipes e, a partir do quarto, iniciei a coautoria com Vsevolód Aliôkhin. Então somos nós mesmos que decidimos o que faremos nas cenas, como vamos nos vestir e quem vamos convidar para os videoclipes. Não temos um diretor ou produtor para nos dizer o que fazer, então pode haver falhas técnicas, mas o resultado é um material muito mais profundo e a estética se parece mais com aquilo que fazemos musicalmente.”
O estilo voltado a um folk russo repaginado tem, para Belkin, grandes promessas. Entre os “concorrentes” que fazem música que se assemelha de alguma maneira ao “Otava Yo”, ele enumera: o grupo Dobranotch , que toca música mais voltada à dos Balcãs e judia, o Partizan FM e o Kolenkor. “Acho que, pelo afinco desses caras e com um pouco de sorte, eles terão um grande futuro pela frente!”
“Sobre as influências musicais, posso falar apenas por mim. Eu gostava muito, no meu tempo, do grupo letão Iļģi, que durante um tempo foi simplesmente um exemplo a seguir também para os velhos camaradas. Foram justamente eles que me inspiraram a parar de tocar música instrumental celta e dar mais atenção ao folclore raiz russo. Gosto de uma enorme quantidade de músicos diversos: Michael Nyman, Penguin Cafe Orchestra, muitos artistas celtas e escandinavos que me influenciaram de alguma forma”, diz Belkin.
Se o gostinho de folk-russo com guitarras lhe apeteceu, então é torcer para a pandemia mundial sair de cena para o “Otava Yo” abrir um canto na sua agenda. “A gente gostaria muito de visitar a América Latina, berço de tanta música popular interessante. Algo me diz que, quando estivermos por aí, a barreira da língua não será obstáculo para que os povos locais possam apreciar e se deliciar com a música russa que traremos!”
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