Foto: Lori/Legion-Media
A Rússia é um país de apreciadores de chá. Anualmente, os russos consomem 170 mil toneladas de folhas de chá, volume superior ao consumido dos britânicos, famosos por sua predileção pela bebida.
Curiosamente, a Rússia não só consome como também possui plantações de chá no Cáucaso, em uma área próxima às pistas de esqui de Sôtchi, cidade que recebeu as Olimpíadas de Inverno de 2014 e fica a 1.400 km de Moscou.
A vila de Solokh-Aul, onde estão localizadas as plantações, se conecta por uma pequena estrada à cidade de Sôtchi. A via tem mais avisos de atenção sobre vacas do que sobre outros veículos e obstáculos: historicamente, a criação de gado sempre foi a atividade primária nessa região.
Iuda Kochman, um homem de 61 anos de idade que saiu caminhando da Geórgia com sua mulher, Matriona, rumo a Solokh-Aul, foi quem introduziu os aldeões do local ao cultivo do chá, em 1901.
O casal já havia trabalhado na fábrica de chá de Sukhumi antes de se estabelecer em Solokh-Aul. No vilarejo, Iuda e Matriona compraram uma pequena casa e fizeram um jardim, onde plantaram alguns arbustos de uma planta exótica, com sementes que haviam trazido em sua bagagem. Três anos, mais tarde, convidaram seus vizinhos para tomar chá feito com folhas cultivadas no local.
Foto: Lori/Legion-Media
Hoje, a vila de Solokh-Aul é formada por cerca de 60 casas construídas no sopé do monte Fisht, cujo topo permanece nevado mesmo nos meses de verão. As ruas são pavimentadas com pedras, e uma delas leva a uma construção de madeira com os dizeres Mansão e Museu dos Kochman. “Aqui foi onde os Kochman viveram”, informa Elena Zaviriúkhina, a administradora do museu. No quarto, com espaço suficiente apenas para duas camas e um baú de madeira, um retrato pendurado na parede mostra um homem grisalho com uma barba encaracolada e uma mulher com um xale branco.
No quarto ao lado, ocupado por um fogão à lenha e uma mesa de madeira, o casal fazia o processamento das folhas de chá. Pela janela é possível ver os mesmos arbustos de chá que os Kochman plantaram. Após sua morte, o casal foi enterrado na propriedade.
“Essas são as plantas de chá mais antigas da Rússia”, mostra Elena. “Se cultivadas do modo correto, elas podem gerar folhas por mais de cinco séculos. Nós colhemos chá aqui todos os anos e preparamos nossa própria bebida no museu”, completa.
Os russos geralmente bebem chá preto e fermentado, preparado com folhas que são esmagadas para acelerar a fermentação. “As fábricas de chá atuais usam máquinas especiais para esmagar as folhas, mas no início do século 20 os Kochman faziam este trabalho manualmente”, explica Elena. “Minha filha e eu uma vez tentamos esmagar um quilo de folhas de chá frescas em casa. Nossas mãos ficaram doloridas por uma semana! É um trabalho muito duro”, continua.
Foto: TASS/Artur Lebedev
As folhas torcidas e esmagadas eram aquecidas por alguns minutos e deixadas para secar ao ar livre. Quando ficavam prontas, Iuda Kochman carregava fardos de folhas em suas costas até o mercado de Sôtchi, a 40 km de distância.
No início, foi ridicularizado pelos mercadores, que não acreditavam que aquele chá fresco e perfumado pudesse ter sido cultivado na região de Sôtchi, onde as montanhas ficam cobertas de neve no inverno e as temperaturas chegam a 10°С negativos. Para eles, não havia como uma planta tropical sobreviver nessas condições.
Foto: RIA Novosti/Nina Zotina
Em resposta às amostras de folhas enviadas por Kochman, a Academia Russa de Ciências declarou ser impossível cultivar plantas de chá no território russo ao norte da Geórgia e aconselhou o camponês a não alimentar fantasias. Somente na década de 1920, após a Revolução Russa, Kochman recebeu apoio do governo, e as plantações de chá começaram a se espalhar na região de Solokh-Aul.
Na década de 1970, os cultivos na região já somavam 7.000 toneladas de chá por ano, graças à criação de variedades resistentes a geadas.
Foto: RIA Novosti/Nina Zotina
Experiência com chá
No café do museu, Elena despeja água fervente em um bule de porcelana, acrescenta um punhado de folhas douradas e cobre a mistura com um samovar. O chá feito na região não é forte, tem uma cor suave e um leve gosto de frutas e flores.
Foto: TASS/Viktor Velikzhanin,Vadim Kozhevnikov
Batizada de Chás Solokh-Aul, a companhia fundada pelos Kochman possui hoje 60 hectares de plantações. A colheita começa na primavera, logo que a neve das montanhas derrete, e é tradicionalmente aberta pelo presidente da empresa, que colhe as primeiras folhas de um arbusto próximo ao túmulo dos Kochman. As folhas são colhidas entre abril e outubro e processadas na fábrica.
Foto: Lori/Legion-Media
Até recentemente, só era possível adquirir pacotes de chá verde ou preto produzidos em Solokh-Aul no próprio vilarejo ou pela internet. Somente há dois anos o chá russo chegou às prateleiras de mercados de todo o país.
Para Elena, o chá consumido no vilarejo tem um gosto diferente daquele comprado em supermercados. Segundo ela, todos os anos algumas dezenas de turistas permanecem no vilarejo para participar da colheita, que se estende montanha acima. A colheita manual é feita como no tempo dos Kochman, uma tradição que sobreviveu à modernização da região e à chegada das estações de esqui.
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