1. Prostor
Não há palavra melhor do que prostor para descrever um país de 17 milhões de quilômetros quadrados, o maior do mundo em área. Prostor significa um espaço totalmente livre e desimpedido. Durante centenas de anos de expansão territorial, os russos desenvolveram uma relação especial com a terra: eles se acostumaram a distâncias colossais como parte inalienável da paisagem e prova indireta de sua própria potência e força (já que foi preciso conquistar isso tudo).
“A alma russa ama o prostor” é um ditado bem estabelecido na língua e milhares de canções e versos sobre vastidões sem fim da Rússia são prova disso. O conceito de prostor está profundamente araigado no caráter nacional.
Mas a palavra prostor também tem outro significado: a ausência de quaisquer restrições ou constrangimentos em alguma coisa. Nesse caso, não se trata só de liberdade territorial, mas da liberdade como tal.
Você já viu um vídeo maluco filmado por câmeras de carro, as dashcams, chamado “a típica direção russa”? Em certo sentido, trata-se também de prostor. A aversão dos russos a regras e restrições, mesmo que elas façam todo o sentido do mundo, é parecida com a negação russa a fingir estar feliz e satisfeito em prol da etiqueta.
2. Panelka
Apesar do prostor, ainda vivemos em panelkas: prédios residenciais construídos com painéis pré-fabricados de concreto armado, conhecidos pela área modesta da planta, tetos baixos, aparência uniforme e péssimo isolamento acústico dos apartamentos.
O lado bom da coisa é que as panelkas começaram a ser construídas massivamente em toda a União Soviética na segunda metade do século 20 para resolver o mais rápido possível o problema habitacional: as moradias simples eram feitas com o menor custo possível e forneceram a milhões de pessoas um teto.
Como resultado, metade do país acabou indo morar em apartamentos compactos idênticos e a panelka tornou-se uma espécie de laço que unia todos os russos - onde quer que você vá, seja nos Urais, Moscou ou Khabarovsk, encontrará panelkas idênticas.
Com o tempo, esses predinhos residenciais passaram a ser depreciados e se tornaram sinônimo de uma depressão pós-soviética, ao mesmo tempo que entraram para o código cultural russo. Não é à toa que todo bom jogo de computador localizado na “Rússia” tem panelkas, como este.
3. Toská
A intraduzível toská poderia ser descrita como “angústia”, um tipo particular de melancolia, ou um “tédio russo” — mas nenhuma das anteriores transmite plenamente sua essência. Eis o que o escritor Vladímir Nabôkov escreveu certa vez sobre a toská: “Nenhuma palavra em inglês representa todos os tons de toská. Na sua forma mais profunda e dolorosa, é uma sensação de grande angústia espiritual, muitas vezes sem causa específica. [...] Em casos concretos, significa aspiração por alguém ou algo, uma nostalgia, qualquer sofrimento. No nível mais baixo, transforma-se em desalento, tédio.”
Etimologicamente, a toská tem radical proto-eslava: “tъska”. No eslavo oriental antigo, significava “um aperto, mágoa, tristeza, inquietude”. Na língua tcheca, por exemplo, há uma palavra congênere: teskný, proveniente do mesmo radical protoeslavo, que significa “medroso, tímido” (mas não tem nada a ver com a toská russa).
Assim, ao refletir sobre o significado desta palavra, os russos chegam à conclusão de que a toská faz parte da identidade russa. É um sentimento único ligado, ao mesmo tempo, ao complicado passado histórico da nação e a suas inúmeras tribulações e clima severo. Na imaginação popular, considera-se que a toská tenha a cor verde, e a expressão zeliônnaia toská [toská verde] denota a maior intensidade desse sentimento.
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4. Blagodat
Esta palavra tem duas raízes: blago (benção ou bem) e dat (dar) e é um dos conceitos-chave da teologia cristã. Blagoi dar (presente abençoado), ou blagodat, significa nada menos que a "graça de Deus" ou "bondade de Deus", sem nenhum mérito exigido do indivíduo. Mas poucas pessoas se lembram disso hoje, porque a palavra é usada com mais frequência com um sentido diferente.
Blagodat é uma antítese russa característica de toská. É um estado de contentamento e calma emocional absoluta, ou pode se referir aos atributos da natureza e do ambiente que leva a esse sentimento.
O conceito mais próximo do blagodat é “deleite”, mas com um sabor russo característico. Por exemplo, você pode experimentar o blagodat ao contemplar o prostor russo ou relaxar após uma sessão na bânia (casa de banhos russa), mas dificilmente se pode experimentar o blagodat após um dia duro de trabalho ou um dia de compras. É uma experiência espiritual intensificada por uma profunda conexão com a terra e a cultura russa.
5. Bábuchka
Na Rússia, uma bábuchka não é só uma avó (o significado literal da palavra): a palavra é usada para denotar todas as mulheres idosas.
Mas o conceito de bábuchka é muito mais amplo. Ele implica um certo padrão de comportamento. Graças a isso, as bábuchkas russas se tornaram uma constante em memes e conquistaram fama mundial.
Eles estão muito longe, por exemplo, das velhinhas fofas que vêm à mente quando ouvimos essa palavra. Na Rússia, uma bábuchka tem mais probabilidade de ser um furacão imprevisível de vestido que coloca qualquer marmanjo no seu devido lugar. Ninguém sabe como elas se tornam monstros, mas, na Rússia, as bábuchkas são respeitadas, amadas e admiradas, inclusive devido a essa habilidade.
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6. Blin
A panqueca (blin) é um dos pratos mais antigos da culinária russa. Os bliní (sim, blin no plural é bliní!) eram feitos já nos tempos pagãos, no século 9 e, inicialmente, eram um alimento cerimonial consumido nos funerais. Depois, de um prato tradicional de funeral, o blin migrou para a Máslenitsa (a semana do entrudo, ou seja, a celebração pagã do fim do inverno) e, em seguida, deixou para trás de vez qualquer associação funesta para simbolizar o sol graças à sua forma redonda.
O rico blin russo tornou-se tão popular que passou a ser consumido também em outros dias do ano. Ele entrou para a cultura popular e, séculos depois, se tornou nada menos que um substituto para um popular palavrão russo!
Se você ouvir alguém dizendo "blin!", irritado ou aborrecido, saiba que ele não está só com fome: o blin é, portanto, o “saco de batatas” do português. De acordo com linguistas, o blin como uma exclamação surgiu no léxico russo apenas recentemente, na década de 1960, mas se estabeleceu nas ruas com tanta firmeza que agora é difícil imaginar a língua sem ele.
7. Pravda
Pravda é traduzido literalmente para como “verdade”, mas a pravda russo e a “verdade” são duas noções conceitualmente diferentes. Na cultura russa, pravda é algo como a verdade, uma demanda por justiça universal e elevados padrões morais, tudo junto. Houve vários tomos filosóficos dedicados a desvendar esse conceito.
Além disso, quando se trata dos russos, a pravda nunca é equiparada à realidade objetiva. Existe até um ditado popular que afirma: “Cada um tem sua própria pravda”. A frase resume melhor as principais características da pravda: é subjetiva, é um paradigma espiritual e, assim como não há duas pessoas iguais, não há uma pravda única.
Para os russos, a pravda pode até mesmo ser mais importante do que a lei. No filme “Brat 2” (em tradução livre, “Irmão 2”), um dos clássicos russos do início dos anos 2000, de Aleksêi Balabanov, o protagonista, Danila Bagrov, um carismático russo em busca de justiça nos Estados Unidos (por meios ilegais, é claro), profere um uma das frases mais citadas no cinema russo: “Então me diga, americano, onde está o poder?… Eu acredito que o poder esteja na pravda”. Aliás, o principal jornal de propaganda da URSS também tinha o nome de Pravda.
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8. Sudbá
Os russos acreditam em sudbá (destino), pois frequentemente usam o termo como sinônimo de “vida”. A ideia de que a jornada da vida segue um curso predeterminado se uniu com tanta força à contrariedade russa em obedecer às regras e se segurar que, em algum ponto, se tornou um álibi universal.
Se um russo não estiver disposto a tomar uma decisão, aceitar consequências futuras ou fazer uma avaliação de risco sóbria, ele invariavelmente invocará a sudbá. “Você não pode escapar da sudbá” é uma frase popular que livra as pessoas de toda responsabilidade. Esta é a raiz do famoso fatalismo dos russos: por que fazer algo se tudo já está predeterminado?
9. Kalash
Quando as pessoas pensam na Rússia, muitas vezes elas vêm com a mesma lista de associações: invernos frios, ursos, vodca, um chapéu tipo Chaves, mas de pele, garotas bonitas e o rifle de assalto Kalashnikov (que se pronuncia Kaláchnikov e é conhecido também como Kalash).
O famoso rifle AK-47 ainda é um dos símbolos mais representativos da Rússia, conhecido nos quatro cantos do mundo. Em alguns países, ele é retratado até mesmo em bandeiras oficiais como um símbolo da luta pela liberdade e independência. Mas o Kalashnikov é, acima de tudo, um símbolo das exportações do país. E apesar disso, o Kalash, de puro pedigree russo, é quase um tesouro nacional.
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10. Dukh
Esta é a pedra fundamental filosófica da literatura e da cultura russas como um todo. De acordo com a crença religiosa, dukh é uma entidade imperecível próxima à ideia de dushá (alma).
Mas, a diferença é que dukh tem a conotação de força moral interior e um certa visão da vida. “A misteriosa alma russa” nada mais é do que o “dukh russo”, dotado pelos russos de toda uma gama de atributos e significados nacionais.
Além disso, o dukh está intimamente relacionado com dukhovnost (espiritualidade), ou seja, uma propensão para a autorreflexão e a primazia dos interesses morais sobre os materiais.
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