Há uma ferrovia na Sibéria que foi construída por minha avó e outras mulheres soviéticas. Casada duas vezes e duas vezes divorciada, vovó estava sempre tão ocupada no trabalho que não tinha tempo para os próprios filhos.
Aos 17 anos, a filha dela - minha mãe - mudou-se de uma pequena cidade no norte e foi para a capital da Rússia, para estudar na Universidade Estatal de Moscou.
Curiosamente, além de um diploma em filosofia, ela também acabou construindo algo. Na era soviética, os estudantes eram considerados mão de obra gratuita e, no verão, frequentemente precisavam trabalhar em plantações de batata ou construções.
Há um banheiro no aeroporto de Murmansk do qual minha mãe se gaba de maneira especial. Ela ajudou a construi-lo e não parou por aí.
Ela fez doutorado e trabalhou como professora universitária, mas era uma “faz-tudo”. Mamãe mudava a mobília com facilidade, trocava o papel de parede e consertava vazamentos nas torneiras.
Quando eu tinha idade suficiente para andar, comecei a ajudá-la. “Vamos, criança”, dizia ela apoiando um enorme guarda-roupas com o ombro. “Você consegue!”
Região de Irkutsk. Construção da Usina Hidrelétrica Ust-Ilimsk no rio Angara, 1973.
Rudolf Alfimov/SputnikEla se divorciou do meu pai quando estava grávida porque “ele simplesmente não fazia nenhum sentido”. Ao contrário de muitas mulheres que temem a solidão ou a pobreza, ela sabia que podia dar conta de tudo sozinha. Ela aprendeu isso com minha avó, e eu aprendi isso com ela.
‘Parasitas’ mulheres devem trabalhar
Este é meu problema com o feminismo norte-americano: ao invés de igualdade de direitos e de remuneração, ele está se transformando em uma coisa do tipo “eu-consigo-fazer-isto-totalmente-sozinha”, além de uma agressão em relação aos homens e, pior ainda, em relação a mulheres que sentem ou pensam de forma diferente. O feminismo norte-americano está virando um veneno.
Para ser justa, as mulheres nos EUA passaram momentos difíceis. Elas tiveram que lutar pelo direito de trabalhar. Nos EUA e em muitos países europeus, as mulheres deixaram a cozinha e passaram a trabalhar apenas recentemente, há cerca de 50 anos.
Elas tiveram que se tornar mais agressivas. “Vamos dividir a conta, e nem se atreva a abrir a porta para mim, porque eu ‘consigo-fazer-tudo-sozinha’”, diz uma feminista americana venenosa.
Na Rússia, não passa pela cabeça de uma mulher comprometer sua feminilidade para reivindicar um lugar ao sol.
Na União Soviética, a mulher tinha que conseguir um emprego porque, de outra forma, era considerada uma “parasita”.
A Constituição soviética declarava que o trabalho era “um dever e obrigação honorável de cada cidadão capaz”. Mas você acha que foi fácil para as mulheres?
Linha de montagem da Fábrica de Relógios de Pulso Uglich, 1983.
Fred Grinberg/SputnikElas iam às fábricas e laboratórios de pesquisa todos os dias, porque não havia trabalho remoto pela internet que pudesse ser feito no conforto de suas casas.
Mas o fato uma pessoa ter um emprego não significava que a sociedade esquecesse os papeis tradicionais de gênero. Após o trabalho, elas ainda tinham que fazer o jantar, limpar o apartamento, cuidar das crianças etc.
As mulheres soviéticas não tinham máquinas de lavar roupa ou aspiradores e, portanto, estavam cansadas e estressadas o tempo todo.
Onde estavam seus maridos à noite? Cada família tinha uma abordagem diferente, mas a maior parte dos homens estava no sofá, com uma revista de esportes em uma mão e uma cerveja na outra.
Liberdade
Apesar de haver muitos problemas com o machismo e a violência doméstica na Rússia moderna, a mulher finalmente pode ser o que quiser lá.
Talvez agora tenhamos mais opções do que nunca. Ela pode ser dona de casa, cientista, bancária, mãe ou começar a própria empresa.
Além disso, se ela quiser, pode ficar bonita e encontrar um homem que a banque, apesar de esta não ser uma “carreira” muito estável.
Na Rússia, de acordo com a Unesco, 41% das pessoas que trabalham em pesquisas científicas são mulheres.
Getty ImagesDesde a queda da União Soviética, as mulheres russas abraçaram seu lado feminino. Às vezes, elas exageram nas saias curtas e saltos altos mas, definitivamente, isso é melhor que o martelo e a foice.
Na Rússia, de acordo com a Unesco, 41% das pessoas que trabalham em pesquisas científicas são mulheres, uma número que é superior a qualquer outro lugar do mundo.
Tudo diz respeito à mentalidade: as mulheres não veem o “teto de vidro” que muitas moças norte-americanas têm que enfrentar ao escolher a área de estudos.
Como temos tudo isso?
Antes de chegar aos EUA, eu pensava que o país era um dos mais voltados às mulheres no mundo. Afinal, é aqui que tanto se fala muito sobre a igualdade de direitos.
Mas em meu primeiro evento de inovação em Nova York, olhei a meu redor e percebi que apenas eu e mais quatro mulheres dividíamos a sala com quase 100 homens.
Mais tarde, falei com algumas dessas mulheres: elas têm colhões de aço debaixo das saias.
Não é tão fácil estar no ramo da tecnologia, onde as mulheres representam apenas 35% do total dos que têm diploma em exatas.
Entre fundadores de empresas de tecnologia, as mulheres conseguem levantar menos dinheiro, cerca de 15% do financiamento geral.
As mulheres nos EUA fazem muito para apoiar e encorajar umas as outras. Elas provavelmente sabem mais sobre solidariedade que mulheres de qualquer outro lugar do mundo.
Há uma abundância de jantares apenas para mulheres, programas educacionais para mulheres e aceleradores femininos no país. Mas essas instituições artificiais excluem aqueles que deveriam ser os principais participantes dos debate sobre a liberdade feminina: os homens.
São justamente os homens que precisam aprender a lidar com chefes femininas, colegas, subordinados e, mais importante, suas próprias filhas.
Os homens de todo o mundo devem aceitar as mulheres como líderes em tecnologia, finanças e outras indústrias. Não apenas no papel, mas realmente em seus corações e mentes.
Mas nem encarar as coisas como “eu-consigo-fazer-tudo-sozinha”, nem dividir as contas com o namorado, nem tentar ser mais masculina que os homens ajudará.
Não posso dizer exatamente ajudará. Mas hoje, se eu precisar mudar meus móveis de lugar, prefiro encontrar um cara forte. Não é porque eu não posso fazer isso sozinha. Eu simplesmente não quero. Estou fazendo o que toda mulher deve fazer: O QUE DIABOS ELA QUISER!
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Créditos da imagem: Natalya Nosova, Olga Konina, Alexander Kislov.
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