Até meados do século 20, a antiga fortaleza de Moscou, que já foi residência dos tsares russos, continha mais do que apenas edifícios governamentais, catedrais e museus. A corte real, acredite ou não, não tinha muito espaço para tal: a maior parte do Kremlin era ocupada por ruas com propriedades privadas pertencentes a boiardos proeminentes, bem como artesãos e seus pátios e oficinas, líderes religiosos e uma paisagem urbana bastante comum.
Quando os bolcheviques chegaram ao poder, isso permaneceu igual até a década de 1960, época em que o Kremlin ainda tinha meros mortais vivendo no interior de suas muralhas. Um dos primeiros a se mudar para lá após a Revolução de 1917 foi Vladímir Lênin. Na sequência, vários funcionários do Estado se mudaram com suas famílias. Qualquer um que tivesse morado lá anteriormente, e que não tivesse nenhuma relação com os escalões do poder soviético, era despejado e substituído por “um dos nossos”. Como escreveu Leon Trótski: “Em Moscou como um todo, houve uma batalha implacável por apartamentos no Kremlin. Como resultado, mais de 2.000 pessoas foram realocadas dentro de seus muros.”
A prática só chegou ao fim quando Nikita Kruschov a proibiu em 1955. O último morador arrastou o processo de cancelamento de registro até 1961 e essa foi a última vez que alguém viveu dentro daquelas muralhas. Mas isso significa que ninguém mora ali agora?
Regimento Presidencial
O edifício histórico do Arsenal do Kremlin abriga um quartel militar do Regimento Presidencial, uma unidade militar encarregada de proteger os mais altos membros do governo e garantir a segurança dos tesouros do Kremlin. Esses soldados também fazem a guarda de honra do Túmulo do Soldado Desconhecido e do Mausoléu de Lênin e participam de todas as cerimônias oficiais. Eles são o cartão de visita do Kremlin, por isso sua aparência e conduta devem ser impecáveis (só o calçado passa por sete rodadas de inspeção!).
O regimento vive e treina dentro das muralhas do Kremlin. O horário de acordar é às 6h00, seguido de formação e treino matinal. “Nós nos exercitamos, depois corremos dois quilômetros. O treinamento é feito dentro do território do Kremlin, há um lugar especial para isso”, conta o soldado Nikolai Tarov. O treino é seguido por estudos e exercícios de marcha. Depois das 18h00, o regimento fica livre para seguir o dia. À noite, muitas vezes, há uma caminhada descontraída pelas instalações – mas mesmo essa parte é realizada como uma unidade. As luzes são apagadas às 22h00 em ponto.
O soldado não pode deixar as instalações do Kremlin para nenhum compromisso externo até que seus quatro meses de serviço tenham decorrido e isso desde que seja aprovado nos exames. Telefones celulares são permitidos, mas sem acesso à internet ou possibilidade de tirar fotos. Fumar também é permitido em áreas designadas, mas consumir álcool é proibido.
O número de pessoas servindo no regimento é um segredo estrito. O Regimento do Presidente era tradicionalmente tratado como um corpo de reserva de todos os ramos do Serviço de Segurança Federal (FSO, na sigla em russo) – protegendo, entre outras coisas, o presidente e os membros de alto escalão do governo.
‘Phil’ e uma dúzia de gaviões
Os homens que servem no regimento não são, porém, os únicos guardas do Kremlin. Há também uma coruja chamada ‘Phil’ e cerca de dez gaviões. Esses predadores especialmente treinados são tão parte da guarda quanto os humanos, mas com uma diferença: eles guardam os tesouros do Kremlin não dos humanos, mas de uma ameaça diferente – os corvos que habitam a colina Borovitski desde tempos imemoriais.
O Kremlin luta contra esses corvos há séculos. Antigamente, eram considerados um mau presságio: “Se você vir a escuridão circulando acima do Kremlin – aguarde a guerra e a fome”. Mais tarde, o desapreço ganhou um significado mais prático: os corvos são atraídos para as cúpulas douradas das catedrais do Kremlin e acabam danificando-as.
Uma dúzia de métodos diferentes foram testados. Na época de Lênin, costumava-se atirar neles, mas isso distraía o Pai da Revolução em seu trabalho. Então veio um método particularmente sangrento: tortura sonora com notas agressivas. Isso também não funcionou. Em 1973, um departamento especial de ornitologia foi inaugurado, e os falcões se tornaram a polícia do Kremlin no céu. Eles não se mostraram a melhor escolha, então, gaviões (e mais tarde, a coruja ‘Phil’) tomaram seu lugar. “As corujas são inimigas naturais dos corvos. A coruja é uma ave diurna para todos os climas”, diz o FSO.
Os pássaros do Kremlin têm seus aposentos no Jardim Tainitski. Seu principal objetivo não é matar os corvos, mas afugentá-los. E até agora tem funcionado. De acordo com as autoridades, os corvos optam agora por voar ao redor do complexo, em vez de sobrevoá-lo.
P.S.: Não, o presidente não mora lá.
Embora todos saibam que o Kremlin é a residência oficial do presidente russo, Vladimir Putin não mora lá. Hoje em dia, essas Casas dos Departamentos do Senado de Moscou, construídas por Catarina, a Grande, servem como local de trabalho oficial do líder russo.
Residência do presidente da Federação Russa em Novo-Ogariovo
Vladímir Rodionov, Serguêi Velítchkin / TASSPutin vive em Novo-Ogariovo, uma propriedade do século 19 na região de Moscou, que ele também usa frequentemente como seu gabinete.
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