Por que mais de um milhão de soviéticos lutaram pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial?

Andrêi Vlássov, cujo nome tornou-se símbolo de colaboracionismo.

Andrêi Vlássov, cujo nome tornou-se símbolo de colaboracionismo.

Getty Images, Russia Beyond
Fato foi silenciado por décadas pelo governo da URSS.

Em 12 de julho de 1942, vastos territórios na parte ocidental da URSS estavam sob controle alemão e os esforços soviéticos para libertar essas zonas dos nazistas eram em vão. O 2º Exército de Assalto da Frente Volkhov tentou aliviar o cerco de Leningrado, mas foi, por sua vez, cercado pela Wehrmacht e brutalmente derrotado.

Duas semanas mais tarde, um chefe de aldeia local informou os alemães que tinha capturado um homem suspeito, talvez um guerrilheiro, e que o havia trancado em um celeiro. Quando os soldados, armados com metralhadoras, se aproximaram do armazém, um homem alto de óculos saiu e disse em alemão: "Não disparem. Eu sou o general Vlássov". O general Andrêi Vlássov (também grafado Vlasov) liderava o 2º Exército de Assalto e já tinha lutado heroicamente na defesa de Kiev e Moscou.

Andrêi Vlássov.

Vlássov concordou em trabalhar em prol da Alemanha e liderar o novo Exército de Libertação Russo, que consistia de prisioneiros de guerra soviéticos que tinham se voltado contra seu próprio país.

Ainda hoje, o nome de Vlássov está profundamente associado à traição na Rússia. Andrêi Vlássov tornou-se um símbolo de colaboracionismo, e aqueles que cometeram traição durante a Segunda Guerra Mundial e trabalharam do lado da Alemanha são normalmente chamados de "vlássovtsi ("povo de Vlássov"). Mas, na realidade, os cidadãos soviéticos e russos étnicos que decidiram cooperar com o nazismo iam muito além daqueles ligados a Vlássov.

O fenômeno do colaboracionismo

Voluntários do Exército Russo de Libertação em 1944.

O colaboracionismo nunca foi um tema de discussão popular na Rússia. "Durante quase 50 anos, o fato de ter havido o colaboracionismo foi silenciado no nosso país", diz o historiador Serguêi Drobiazko, que analisa a questão em seu livro "Sob a bandeira do inimigo: Formações anti-soviéticas na Wehrmacht, 1941-1945". 

O governo soviético, na verdade, proibiu tais discussões. E o número de traidores era bastante grande. "No total, o número de cidadãos soviéticos e emigrantes russos que serviram nas fileiras da Wehrmacht, SS, polícia e milícias pró-Alemanha era de cerca de 1,2 milhão de pessoas. Entre eles, havia cerca de 700 mil eslavos, 300 mil bálticos e 200 mil turcos, caucasianos e outras minorias étnicas", diz Drobiazko. A população total da URSS naquela época era de cerca de 170 milhões de pessoas.

Soldado alemão fala com general Vlássov.

Mas isso não significa que essa totalidade de 1,2 milhão de pessoas tenha lutado contra a União Soviética. Pelo contrário, a maior parte delas era utilizada como força policial e não estava na linha da frente. 

Razões para traição

Russos servem no exército alemão, Frente Oriental, 1941-1945.

Antes da guerra, a União Soviética era vista como um gigantesca estrutura uniforme vermelha, especialmente do exterior. Mas a imagem não correspondia exatamente à realidade. Nem todos no país estavam satisfeitos com o governo bolchevique, especialmente com as brutais repressões do governo de Ióssif Stálin.

Além disso, a guerra começou de maneira catastrófica, e os nazistas ocuparam vastos territórios e avançaram para Moscou em poucos meses. Muitos soviéticos simplesmente não acreditavam que era possível contra-atacar. 

Voluntários do Exército Russo de Libertação.

"As catastróficas derrotas do Exército Vermelho entre o verão e o outono de 1941 levaram a críticas do comando militar e do governo. Muitos culpavam as autoridades soviéticas pela falta de capacidade de controlar a situação e chegavam até a traír a URSS. Além disso, a guerra renovou as contradições da sociedade soviética", escreve Drobiazko. 

O diretor do Centro Internacional de História e Sociologia da Segunda Guerra Mundial, Oleg Budnítski, diz que quase todos os colaboracionistas tiveram que tomar decisões difíceis.

"A maioria [dos soviéticos que lutaram pela Alemanha] tornou-se pessoal auxiliar dos nazistas por causa das circunstâncias. Eles queriam escolher um mal menor ou simplesmente salvar suas próprias vidas. Além disso, o governo soviético não fez nada para evitar esses casos. Desde o início da guerra, os prisioneiros de guerra soviéticos libertados foram tratados com desconfiança pelo governo da URSS e considerados como potenciais traidores", diz Budnítski. 

Além disso, segundo Budnítski, muitos odiavam os bolcheviques e lutavam contra a URSS por razões ideológicas. Entre eles, estavam os emigrantes do Exército Branco que tiveram que abandonar a Rússia após a vitória dos Vermelhos. Mas apenas uma pequena parte deles estava do lado dos nazistas, assim como os habitantes dos territórios que a URSS tinha anexado antes do começo da Segunda Guerra Mundial: os antigos países bálticos independentes e zonas da Ucrânia e da Bielorrússia ocidental.

Aliados indesejados

Andrêi Vlásov, novembro de 1944.

"A resistência dos soldados do Exército Vermelho será quebrada no dia em que perceberem que a Alemanha lhes dará uma vida melhor do que os soviéticos", disse Otto Bräutigam, um oficial alemão do Ministério dos Territórios Ocupados, em 1942.

A ideia de criar uma "Rússia sem comunistas" foi popular entre alguns funcionários do Reich. Felizmente para Moscou, Hitler rejeitou essa possibilidade, e nem sequer queria ouvir falar de um Estado russo. Sua doutrina exigia a destruição não apenas da URSS, mas também da própria noção de Estado russo, capturando todo o seu Lebensraum (espaço vital). "A coisa mais estúpida a fazer nos territórios ocupados do Leste é dar armas às nações ocupadas", insistia Hitler.

Assim, até 1944, os nazistas usaram os soviéticos pró-Alemanha, inclusive Vlássov e seu Exército de Libertação Russo, apenas como ferramenta de propaganda. Eles bombardearam o Exército Vermelho com panfletos, mas se recusavam a dar a Vlássov qualquer exército real para comandar.

Outra formação russa dentro da Wehrmacht, o Corpo de Proteção da Rússia foi usado na Iugoslávia para lutar contra guerrilheiros locais entre 1942 e 1944, mas Hitler não confiava nos russos o suficiente para deixá-los lutar contra a própria URSS.

Fim inglório

Tudo mudou em setembro de 1944, quando o Exército Vermelho começou a se aproximar da Alemanha. Os nazistas estavam desesperados e dispostos a fazer de tudo para preservar seu império.

O próprio Heinrich Himmler encontrou-se com Andrêi Vlássov e aprovou a criação do Comitê para Libertação dos Povos da Rússia e de suas Forças Militares com mais de 50 mil soldados, sob o comando de Vlássov. 

Vlássov lutou contra o Exército Vermelho apenas por três meses, entre fevereiro e abril de 1945. Após a sua derrota, Vlássov e todos os seus comandantes foram capturados, rapidamente julgados, executados e esquecidos.

"Na minha opinião, não pode haver desculpas para quem ajudou os nazistas, independentemente de seus motivos", diz Oleg Budnítski. "É claro que o regime bolchevique era terrível e desumano, mas o nazismo era um mal absoluto", completa.

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