Invasão mongol foi responsável pela formação da Rússia

Cena do filme "O Guerreiro Genghis Khan", de 2007.

Cena do filme "O Guerreiro Genghis Khan", de 2007.

Sergey Bodrov Sn./STV production, 2007
É errado pensar que os tártaros mongóis invadiram a Rússia como um Estado único, porque o Estado em si foi formado como uma resposta à invasão, ou seja, para resistir a ela e derrubá-la. E Pedro, o Grande, foi quem terminou formalmente o jugo da Rússia aos Cãs.

O Kniaz (Príncipe) Iaroslav 2° de Vladimir foi envenenado pela esposa de Guyuk Cã (ou Khan). Aos 67 anos, o Kniaz Mikhaíl de Tchernigov foi executado na capital da Horda Dourada (caganato mongol) por se recusar a adorar ídolos mongóis. O Kniaz Mikhaíl de Tver, teve seu coração arrancado na mesma capital, segundo crônica histórica.

Assim, a população russa foi forçada a pagar impostos substanciais, e os príncipes russos só foram autorizados a governar seus ducados com a permissão do Cã da Horda Dourada. Foi assim que ficaram sob o domínio mongol ou, como chamamos na Rússia, o Jugo Tártaro-Mongol.

O Príncipe Aleksandr Niévski implorando a Batu Cã que tivesse misericórdia quanto à Rússia, em pintura do final do século 19. Obra encontrada na coleção da Biblioteca Estatal Russa, em Moscou.

É difícil acreditar que acontecimentos como esses foram essenciais na formação do Estado russo. Mas foi a oposição a essas ações que uniu os príncipes russos - infelizmente não com um sentimento de amizade, mas sob o punho de ferro do mais forte deles. "Moscou deve sua grandeza aos Cãs", escreveu o grande historiador russo Nikolai Karamzin (1766-1826).

Na época da invasão mongol da Rus, a formação que precedeu a Rússia, os mongóis avançavam tanto nas forças armadas quanto nos sistemas de governança. Somente a unidade podia ajudar os russos a derrubar o domínio mongol.

  1. O que impulsionou a invasão mongol?
Genghis Khan

Tudo começou quando Genghis Khan (1155-1227), fundador do Império Mongol, enviou seu filho, Jochi (1182-1227), para conquistar as terras do que hoje compõe a Sibéria, a Rússia Central e a Europa Oriental. Exércitos gigantes de guerreiros mongóis (certamente mais de 100.000 homens, um número enorme no século 13) derrotaram com facilidade as débeis e pouco numerosas forças dos príncipes russos, que estavam em guerra entre si antes da invasão.

Em 1237, os mongóis, liderados por Batu Cã, invadiram a Rus. Eles tomaram, devastaram e queimaram Riazan, Kolomna, Moscou, Vladímir e Tver, as principais cidades russas. A invasão continuou até 1242 e foi um golpe terrível para as terras russas – foram necessários quase 100 anos para recuperar totalmente os danos causados ​​pelo exército mongol.

Além disso, as terras e cidades do sul - Kiev, Tchernigov, Halitch - foram queimadas. As terras do nordeste, principalmente Tver, Moscou, Vladímir e Súzdal, tornaram-se as principais cidades após a invasão.

Mas os mongóis não queriam conquistar aquelas terras completamentes: eles queriam apenas receber impostos estáveis. E sabiam como conseguir o que queriam.

  1. Como a dominação mongol funcionava?
Batu Cã em gravura chinesa da Idade Média.

Em 1243, Iaroslav 2° de Vladímir (1191-1246) foi o primeiro príncipe russo a receber permissão para governar. Ele foi convocado a Batu Khan, jurou lealdade a ele e foi nomeado o "maior kniaz de todos os russos".

A cerimônia de juramento de lealdade aos mongóis era muito semelhante à francesa, onde o rei ajoelhava-se com uma perna aos pés de seu soberano sentado. Mas na capital da Horda, Sarai, os príncipes russos às vezes eram forçados a andar de joelhos até o trono do Cã e, em geral, eram tratados como inferiores. Foi esse mesmo Iaroslav 2°, aliás, que recebeu o primeiro “iarlik” (um tipo de documento mongol) e depois foi envenenado.

“Iarlik” era como os mongóis chamavam um tipo de credencial diplomática, ou seja, cartas de proteção que eles escreviam e entregavam aos príncipes e padres russos. Parte importante da política dos mongóis era que eles protegiam as igrejas ortodoxas russas, nunca as devastavam e protegiam o clero. Para tanto, porém, a igreja era obrigada a pregar sobre a lealdade que seus paroquianos deviam aos tártaros mongóis.

“Iarlik” mongol de 1397.

Os impostos eram controlados e recolhidos a princípio pelos baskaks, os coletores mongóis que viviam nas cidades russas com suas comitivas e seguranças. Para coletar os impostos, os mongóis realizaram um censo da população dos ducados subjugados.

Os impostos iam para o Império Mongol e, depois de 1266, quando o Estado tártaro-mongol da Horda Dourada se separou dos mongóis, para a capital da Horda Dourada, Sarai. Mais tarde, após várias revoltas locais e seguindo os apelos dos príncipes russos, a coleta de impostos era entregue aos próprios príncipes.

  1. Como os russos usaram os mongóis em benefício próprio?

Nunca houve uma presença militar constante dos mongóis, mas se os russos se revoltassem contra seu governo, eles podiam enviar exércitos. No entanto, os astutos e politicamente sofisticados cãs mongóis manipularam os russos, incitaram o ódio e as guerras entre eles para controlar melhor Estados fracos e divididos. Logo, o princípes aprenderam essa tática e começaram a aplicá-la contra os mongóis.

Durante um século, houve inúmeras campanhas militares entre mongóis e russos. Em 1328, o ducado de Tver se revoltou contra os mongóis, matando o primo do cã uzbeque. Tver foi queimada e destruída pela Horda, e os príncipes de Moscou e Súzdal ajudaram os mongóis.

Isso porque, em uma guerra entre os ducados, os príncipes de Moscou entenderam que alguém tinha que liderar os mongóis subjugando os outros ao seu domínio. Após o desaparecimento de Tver, Ivan 1° "Kalita", de Moscou, tornou-se o primeiro príncipe a coletar os impostos das terras russas em vez dos baskaks.

Foi o que ele conseguiu por ajudar os mongóis a assassinar seus compatriotas e, ao mesmo tempo, seus inimigos. Mas isso ajudou a trazer a famosa "paz de 40 anos", quando os mongóis deixaram de atacar as terras de Moscou (mas devastaram outros ducados). Enquanto isso, Moscou usava as derrotas de outros príncipes para benefício próprio.

O saque de Súzdal por Batu Cã, em fevereiro de 1238, na invasão mongol da Rússia. Miniatura retirada de crônica do século 16.

Os russos também aprenderam rapidamente com os mongóis a usar contratos escritos, assinar atos, promulgar leis. Os russos usavam o sistema de Ortoo: estações rodoviárias empregadas primeiro por Genghis Khan para vários propósitos, como abrigo para viajantes, locais para guardar cavalos de reposição para mensageiros do exército etc.

Esse sistema foi instalado em terras russas pelos mongóis para seus próprio benefício, mas acabou apoderado pelos russos para conectar suas terras.

  1. Como terminou o domínio mongol?
A revolta de Tver em 1328 de acordo com crônica russa do século 16.

O que os príncipes de Moscou aprenderam com os implacáveis mongóis ​​foi que é preciso ou matar o inimigo ou torná-lo inapto a se vingar. Ao mesmo tempo em que se fortaleciam os príncipes de Moscou, a Horda Dourada entrava em crise política. Em 1378, Dmítri de Moscou, conhecido como Donskôi (1350-1389), esmagou, pela primeira vez em muito tempo, um dos exércitos da horda.

Em 1380, Dmítri Donskôi, que tinha parado de pagar impostos à horda, derrotou o exército do Cã Mamai, que tinha de 60.000 a 110.000 homens, na Batalha de Kulikovo. Mas, em 1382, Moscou foi queimada por Tokhtamish, um cã de outra parte da horda desmantelada.

Nos cem anos seguintes, as terras russas pagaram impostos a diferentes cã da horda. Mas, em 1472, Ivan, o Grande, de Moscou (1440-1505), recusou-se novamente a pagar impostos aos mongóis tártaros. Desta vez, o Grão-Ducado de Moscou estava realmente grandioso. Ivan e seu pai, Vassíli 2°, o Cego, juntaram terras e príncipes e os subjugaram a Moscou.

Ahmed bin Kuchuk, cã da Horda Dourada, tentou guerrear contra Ivan. Mas, depois do famoso impasse no rio Ugra, em 1480, ele voltou para casa. Essa batalha marcou o fim do domínio e controle mongol - mas não dos impostos. A Rússia continuou enviando dinheiro e bens valiosos para diferentes partes da horda apenas para manter a paz com os tártaros – o que se apelidou de “pomínki” (do russo, “memorial” ou "velório").

Dmítri Donskôi em retrato retirado de crônica russa.

A Rússia pagou o “pomínki” a diferentes dinastias da Horda até 1685. Formalmente, os impostos foram proibidos por Pedro, o Grande, apenas em 1700, de acordo com o Tratado de Constantinopla entre o Império Russo e o Império Otomano. O cã da Crimeia, um dos últimos cãs da época, e vassalo do Império Otomano, também foi o último a quem a Rússia pagou. Lia-se no tratado:

"... Como o Estado de Moscou é autônomo e livre, o tributo que foi concedido anualmente aos cãs da Crimeia até então, de agora em diante não será concedido por Sua Santa Grandeza do Tsar de Moscou, nem por seus descendentes..."

É muito simbólico que Pedro, o último grande kniaz de Moscou e, então, futuro primeiro tsar da Rússia, tenha assinou este tratado em 1700 - primeiro ano que começou na Rússia não a partir de 1º de setembro, como na antiga Rússia, mas a partir de 1º de janeiro, assim como no resto da Europa.

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