O designer moscovita Aleksandr Vassin tem uma das coleções mais incomuns do mundo: logotipos de antigas geladeiras soviéticas. Ele criou até um museu virtual para os objetos da coleção.
“A geladeira era uma coisa sagrada para qualquer família soviética. Quando a família se iniciava, a primeira coisa que ela comprava não era uma cama, mas uma geladeira. Ou mesmo nos alojamentos: cada um tinha sua própria prateleira da geladeira. A geladeira é, assim, uma espécie de templo. Mas o que lembramos é o que está escrito por fora. ZIL, Minsk, Dnepr etc.”, diz Vassin, referindo-se aos logotipos das marcas de geladeiras soviéticas.
Alexander Vasin
Arquivo pessoalVassin começou a colecionar logotipos em 2010: ele estava andando de bicicleta com sua mulher no campo, onde se pode encontrar o tempo todo geladeiras velhas nas lixeiras. “Certa vez, não pudemos simplesmente deixar passar em branco e desaparafusamos o logotipo para levar embora”, conta.
A coleção foi montada com base em uma intensa exploração por aterros sanitários, casas abandonadas e pelo “Avito”, uma plataforma on-line para o comércio de segunda mão semelhante ao OLX brasileiro. Uma quantidade enorme de marcas de geladeiras existia na União Soviética. Muitas vezes, elas eram muito parecidas e só mudavam de nome.
Só que os criadores desses logotipos ficaram incógnitos. “Afinal de contas, acredita-se que a União Soviética não tinha sexo, liberdade, rock’n’roll, e nem mesmo design. A verdade é que o design ou era algo ‘subterrâneo’ ou incógnito. Não sabemos os nomes daqueles que inventaram esses logotipos, embora eles tenham se tenham tornado parte de cada família soviética.”
Esse “amor” não teve equivalente com nenhum outro aparelho soviético. A geladeira era um ponto de atração na cultura soviética. Nela se grudavam ímãs com as contas, cartões de Ano Novo, telegramas... “Mas isso não é tudo. Quando começamos a colecionar os logotipos dessas geladeiras, pudemos ver que esses logotipos, com suas artes gráficas e execuções técnicas, demonstravam com clareza as mudanças da época”, diz Vassin.
Por exemplo, no início, os logos eram lindos, grandes, exagerados — como nos refrigeradores da marca ZIS. Isso condizia com a arquitetura estalinista e a demanda pelo “brutalismo” arquitetônico.
Depois, os logotipos ficaram mais plásticos. Isso aconteceu durante a era Khruschov, que refutava tanto do governo Stálin — inclusive dos excessos arquitetônicos.
“Mais tarde ainda, os logotipos se tornaram peças retangulares de plástico monótonas. Isso foi, por um lado, uma transição para o paradigma do design modernista e, por outro, um declínio da mentalidade soviética e da cultura gráfica”, diz o colecionador.
A tendência não se restringiu à União Soviética. Em 2013, Vassin conheceu outro colecionador de logotipos de refrigeradores, Richard Protzman, da Holanda. Eles conseguiram realizar uma exposição conjunta em Moscou.
“Cada logotipo tem algum tipo de história associada a ele. O mais incomum, para mim, é o da geladeira ‘Kavkaz’ [em russo, ‘Cáucaso’]. Um refrigerador desses foi encontrado, destruído, no meio de um campo de helicópteros abandonado, perto da vila de Bunkovo, nas cercanias de Moscou. O logotipo de aço foi a única parte que não tinha sido danificada pelo tempo.”
Uma geladeira semelhante foi encontrada por Vassin na margem do rio Oká, em uma hortas da aldeia de Zibrovo. Mas os donos da geladeira não permitiram que a “expedição do museu” — Vassin e seus amigos, todos munidos de chaves de fendas — se aproximasse dela.
“Um fato curioso é que a geladeira foi batizada de ‘Kavkaz’ mas, muito provavelmente, não existia no próprio Cáucaso, sendo comercializada em alguma região de Khabarovsk. Enquanto isso, a geladeira ‘Sever’ [‘Norte’] podia muito bem ir parar no Sul, em algum lugar do Território de Krasnodar.”
Vassin atribui o fenômeno à estrutura geral da economia planejada soviética: “Para que um vasto sistema de transporte funcionasse bem, ele tinha que ser mantido em movimento o tempo todo. Na União Soviética, as pessoas estavam sempre sendo transportadas para algum lugar. Por exemplo, um quarto dos prisioneiros soviéticos sempre estava na estrada de ferro. Talvez o mesmo tenha ocorrido com a indústria: eles lançavam a linha de produção em algum lugar para enviar tudo para o outro lado do país.”
Vassin tem cerca de 100 logos: são quase todos os modelos que existiram na URSS. “Guardamos a coleção em caixas de sapatos em casa. Alguns podem pensar que procurar logotipos no lixo é sujo e insalubre. Mas outros, quando veem os logotipos, sentem nostalgia. Estou, obviamente, na segunda categoria.”
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