Os camponeses russos estão historicamente acostumados à agricultura de subsistência, porque sempre passavam muito tempo cuidando do gado e cultivando a terra em condições climáticas difíceis. Com trabalho em excesso em casa e no campo, as mulheres russas também não tinham tempo para preparar pratos complexos.
O etnógrafo alemão Johann Georgi escreveu em sua obra “Descrição de todos os povos que vivem no Estado Russo”, em 1799, que as camponesas russas “faziam o mesmo trabalho doméstico e no campo que os homens, com exceção de algumas tarefas”. As mulheres terminavam suas tarefas domésticas à noite e acordavam às 4 da manhã. Mesmo o pão sendo um alimento crucial, era assado no forno uma vez por semana por falta de tempo.
“O fator de economia de tempo levou à divisão da comida em comum e festiva, ou seja, a comida que pode ser preparada de forma mais demorada e, assim, ser mais complexa, de maior qualidade, mais diversificada”, escreve o historiador russo Leonid Milov, em seu livro “O grande lavrador russo e características do processo histórico russo”.
Festança após abstinência
"Easter Rite (Christening)", B. Kustodiev. 1916. Astrakhan State Picture Gallery. P.Dogadin/ Public Domain
Galeria Estatal P. Dogadin de Pintura de Astrakhan/Domínio públicoOs feriados, familiares ou religiosos, eram uma ocorrência rara na vida dos camponeses. Nesses dias, pela manhã, eles iam à missa na igreja, após a qual preparavam uma refeição festiva em casa. Na maioria das vezes, os feriados religiosos já ocorriam logo após o jejum, que, além do ascetismo espiritual, inclui a abstinência de alimentos de origem animal.
A divisão da cozinha russa em de jejum, com apenas alimentos vegetais, peixes e cogumelos, e de fora de jejum, com carne, leite e ovos, teve início com o batismo da Rússia no século 10. De acordo com o calendário ortodoxo, o jejum compreende um período de cerca de 200 dias por ano, dos quais muitos se estendem por 40 dias consecutivos. A ideia era que os fiéis aguardassem o fim do jejum com especial admiração. O Jejum da Natividade precede a festa de Natal, e a Grande Quaresma termina com a festa da Páscoa.
No passado, as pessoas costumavam se preparar para a festa com bastante antecedência, produzindo cerveja e convidando parentes e amigos, que chegavam na noite da celebração. Os convidados sempre traziam pirogui, bolinhos de massa russos com recheios diversos.
A festa começa a partir do momento em que o padre entoa uma oração cantada.
“Eles festejam por dois ou até três dias, passando o tempo todo bebendo e comendo sem parar, cantando e dançando”, lê-se no livro de Vassíli Pokrôvski “Considerações gerais sobre a província de Tver”, de 1784.
Comida de festa para festa
"The Easter Table", A. Makovsky, 1916.
Galeria Regional de Pintura de Tver/Domínio públicoPara a mesa festiva, os russos costumavam preparar schi, uma sopa russa de caldo de carne acrescido de repolho fresco ou em conserva, além de ensopados, studen (geleia de carne) e soliânka (sopa ou prato principal de carne de porco, picles e repolho).
“Em algumas cidades, durante grandes feriados, além da sopa schi, os russos comem smetana [sour cream ou creme de leite azedo] com pãezinhos de trigo, ovos mexidos com presunto, panquecas, priájentsi [bolinhos de massa recheados fritos], panquecas, pirogui, vatruchkas [pãezinhos recheados com maçãs], pão achatado etc”, escreveu o cientista russo Andrei Bolotov, em seu livro “Espelho da Aldeia ou o Livro do Povo”.
Ceia em 1974
Viktor Sadtchikov/TASSAs donas de casa preparavam ainda muitas kulebiakas, tortas grandes de massa fina com recheio farto, com peixe, mingau e ovos; kalítki, tortinhas com farinha de centeio; e pirogui com recheio de cebola, repolho, carne ou peixe. Para sobremesa comia-se pão de gengibre, avelãs, pastilá (purê de frutas seco e azedinho) e frutas.
As comemorações eram acompanhadas de bebidas, na maioria das vezes caseiras: braga (espécie de cerveja caseira), kvass de mel (refrigerante feito à base de pão e mel), cerveja e menos frequentemente vinho.
Pratos especiais também eram preparados conforme feriados religiosos específicos. Por exemplo, bolo de Páscoa e Páskha (sobremesa à base de coalhada na forma de pirâmide que simboliza o túmulo de Cristo). Esses pratos têm um significado sagrado para os fiéis, personificando o renascimento de Jesus Cristo e outros símbolos religiosos.
Além do mais, diversos feriados religiosos coincidem com o início da colheita. Assim, em 14 de agosto, a Igreja Ortodoxa homenageia a memória de três santuários: a Cruz que dá vida do Senhor, a imagem do Salvador e o ícone da Mãe de Deus de Vladímir. É o primeiro dia do Jejum da Dormição. A partir dessa data, era permitido comer vegetais e colher mel.
Já em 19 de agosto, é celebrada a festa da Transfiguração do Senhor, conhecida popularmente como Iáblotchni Spas (do russo, “Salvador das Maçãs”). Deste dia em diante, é permitido colher maçãs. As frutas são levadas à igreja para serem abençoadas e em casa prepara-se tortas. Atualmente, a tradição de consagração persiste apenas em famílias muito religiosas, mas o feriado de Salvador da Maçã ainda é bastante popular.
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