Durante treinamento em São Petersburgo em 2010, o policial britânico Mark Bullen percebeu algo incomum entre os criminosos locais.
“Comecei a notar que quase todos com quem os policiais lidavam tinham tatuagens verde azuladas”, conta Bullen. “Nós também temos essa coisa de tatuagem nas prisões do Reino Unido, mas nada comparado à escala do que vi na Rússia.”
A viagem em 2010 não foi a primeira experiência de Bullen no país. Ele já havia passado dois anos estudando na Rússia durante a década de 1990, motivo pelo qual tornou-se fluente no idioma local. Durante os 12 anos em que Bullen atuou junto à polícia de Hertfordshire, ao norte de Londres, era o único policial que falava russo. Ao longo do programa de intercâmbio e em seu retorno ao Reino Unido, Bullen começou a reunir informações sobre as tatuagens nas prisões russas, por meio de pesquisas próprias e com ajuda de seus colegas de São Petersburgo.
Bullen acompanhado de policial russa Foto: Arquivo pessoal
“Eu perguntei aos tiras russos que me acompanhavam nas patrulhas o que aqueles desenhos representavam, e eles me explicaram que todos os detentos na Rússia se tatuam como uma espécie de ‘currículo do crime’ – quase como um uniforme”, diz.
“Os policiais conseguiam, assim, saber tudo sobre um criminoso só de interpretar suas tatuagens; era uma parte importante de seu trabalho.”
Sua pesquisa resultou no recém-lançado livro “Thief in Law” (sem título em português), no qual apresenta uma espécie de “guia das tatuagens nos centros de detenção e no crime organizado na Rússia”.
Origem das tatuagens
Segundo Bullen, o fenômeno das tatuagens em prisões russas começou ainda no período imperial, possivelmente inspirado por encontros entre marinheiros russos e seus homólogos britânicos, que apresentavam rabiscos pelo corpo. Mas, naquela época, a Rússia já tinha uma maneira própria de marcar os criminosos.
“A marcação de ladrões durante a Rússia tsarista também deve ser considerada como uma razão pela qual a tatuagem se difundiu tanto entre os criminosos profissionais”, escreve Bullen em seu livro.
E-book "Thief in Law", disponível na Amazon Foto: Divulgação
Até meados do século 19, os infratores condenados a trabalho forçado tinham seus rostos marcados com as palavras “vor” (ladrão) ou “kat” (de “katorjnik”, isto é, alguém condenado a trabalho forçado), para que não pudessem esconder seus crimes. Com o tempo, a tatuagem se tornou parte importante da imagem dos criminosos.
Bullen ressalta, porém, que o significado da prática na Rússia mudou ao longo do tempo. Durante o período stalinista, as tatuagens eram uma forma de código secreto para descrever crimes específicos. “Cada tatuagem tinha algum simbolismo que definia os atos cometidos pelo presidiário”, explica.
Atualmente, segundo o policial, as tatuagens são mais uma homenagem às tradições de épocas passadas. “O rigoroso código não é mais cumprido da mesma maneira que era antes de 1945”, diz Bullen.
Em sua obra, o policial britânica também explora as diferenças entre tatuagens em homens e mulheres. Apesar de os rabiscos em mulheres “se basearem mais em questões sentimentais, tragédias da vida e amorosas”, também há um código especial. “No caso de tatuagens feitas por punição, as imagens tatuadas nos corpos de mulheres tendem a ser ainda mais explícitas”, acrescenta.
Criminosos russos, ontem e hoje
Bullen também fornece uma panorama geral do crime e da cultura prisional na Rússia nos séculos 20 e 21, com especial destaque para os chamados “vori-v-zakone”, ou “ladrões-dentro-da-lei”, um grupo de elite da máfia russa.
Além de descrevê-los como um “grupo ultra-eficiente que emergiu das ruínas da União Soviética”, ele os considera uma das mais poderosas organizações criminosas russas na década de 1990 e que ainda mantêm influência nos dias de hoje.
“Thief in Law” não é só, portanto, uma enciclopédia das tatuagens mais comuns em prisões na Rússia, mas também um guia para a história e cultura prisional no país.
O e-book “Thief in Law” está disponível (em inglês) na Amazon.
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