Dmítri Bíkov, que completa 50 anos nesta quarta-feira (20).
Alexandra Mudrats/TASSPoeta, romancista, jornalista e professor visitante da Universidade de Princeton, nos EUA, Dmítri Bíkov completa 50 anos nesta quarta-feira (20). Para celebrar a data, o Russia Beyond republica uma entrevista exclusiva de 2015 do escritor, que se esquiva completamente de jornalistas internacionais já há alguns anos. Nela, ele fala sobre como o leitor russo moderno percebe o mundo e quais livros considera essenciais para se decifrar a misteriosa alma russa:
Russia Beyond: Suas palestras em universidades norte-americanas exploram como a imagem dos EUA mudou na literatura russa e soviética. Você poderia nos dizer como ela era nos séculos 19 e 20 e qual imagem dos EUA é dominante na literatura contemporânea?
Dmítri Bíkov: Essas palestras foram exclusivas e feitas a pedido dos meus alunos, além de, uma vez, na minha biblioteca preferida, que é a Biblioteca Pública do Brooklyn, cujo auxílio em escavar alguns recursos raros foi inestimável.
Na literatura moderna, a imagem predominante dos EUA provém do romance “Viêtchni zov” (em tradução livre, “O eterno chamado”, publicado em inglês como “The eternal call” e escrito entre 1971 e 1976). É inacreditável, mas tudo que recebemos de informação sobre o Plano Dulles [uma teoria da conspiração em que a CIA estaria tentando minar a moralidade e a cultura da União Soviética] para destruir a espiritualidade russa vem, na verdade, do monólogo do emigrante Lakhnóvski, um ex-oficial do Exército Branco. Uma América que estaria minando nossa individualidade e dividindo nossos vínculos espirituais foi inventada por um reacionário soviético que deve ter tido algum talento afinal, já que suas ideias se arraigaram tanto.
De modo geral, em tempos de ascensão, a Rússia sempre está interessada na América, não tem medo da América e faz parcerias com a América, enquanto em momentos de declínio ela se torna suscetível a teorias da conspiração, suspeitas e sonha em se fechar para o resto do mundo. Acidentalmente, o mesmo também ocorre com os Estados Unidos. Há muita simetria entre nós.
Russia Beyond: Quais autores russos, tanto contemporâneos quanto clássicos, são populares nos EUA? A que você atribui sua popularidade?
Dmítri Bíkov: As obras de Víktor Pelêvin são muito traduzidas nos EUA. Outros bastante conhecidos são Ludmila Petruchévskaia, Fazíl Iskander, Andrêi Bitov. Às vezes, alguns escritores jovens também são publicados. Os leitores também se lembram de Iúri Trifonoc e Vassíli Aksiônov.
Mas a literatura russa, por um bom tempo, não gerou uma onda em novos estilos, temas e talentos como, por exemplo, a latino-americana nos anos 1960. Essa tendência teve muitas causas: culturais, históricas e, em partes, políticas. Nossa onda ainda está no porvir.
Russia Beyond: Em anos recentes, ouve-se frequentemente que a Rússia não tem mais gente que possa agir como sua balança moral. Para você quem representa a consciência da nação hoje?
Dmítri Bíkov: Muito obrigado, mas tenho minha própria consciência.
Russia Beyond: Como autor da enciclopédia “Cem livros que todos deveriam let”, quais os três livros russos que um estrangeiro deveria ler para entender a Rússia? E quais três livros de norte-americanos você considera essenciais que os russos leiam?
Dmítri Bíkov: Livros russos: “Anna Karênina”, de Lev Tolstói, “Tiômnie allei” (em tradução livre, “Avenidas escuras”, publicado em inglês como “Dark Avenues”) e os “Contos de Kolimá”, de Varlám Chalámov. Livros norte-americanos: “Moby dick”, de Herman Melville, “A sangue frio”, de Truman Capote, e “O som e a fúria”, de William Faulkner.
Russia Beyond: Os universitários norte-americanos são muito diferentes dos russos? (Na Universidade de Princeton, Dmítri Bíkov dá um seminário de arte contemporânea russa que cobre não apenas literatura, mas também cinema, TV e artes performáticas. Para estudantes de graduação, ensina em um curso chamado “Estratégias de sobrevivência na literatura soviética”. No novo ano acadêmico, também dará um seminário sobre a história da ficção científica soviética intitulado “Utopia, distopia e pós-utopia”.)
Dmítri Bíkov:Quando damos uma tarefa a um estudante norte-americano, temos certeza de que ela será bem-feita e no prazo. A ambição é sua maior motivação. Um estudante norte-americano sabe que para sua carreira é melhor ser ativo e falar muito. Enquanto isso, um estudante russo sabe que o melhor para sua carreira é ficar quieto, ou pelo menos esperar o momento propício.
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Russia Beyond: Qual sua impressão geral do sistema educacional dos EUA?
Dmítri Bíkov: Muito boa. A beleza do sistema Dewey é que ele ensina os estudantes a saber e aprender não fatos, mas fontes, não detalhes, mas o sistema. Um estudante norte-americano seleciona um segmento bastante restrito em que sabe tudo e é bastante versado em áreas adjacentes de conhecimento. Além disso, ele pode encontrar material em qualquer assunto em questão de 24 horas, porque sabe onde buscar.
Há muito menos controle no sistema educacional dos EUA e nenhum incentivo além do crescimento pessoal. As relações entre estudantes e professores são mais descontraídas e amigáveis, há menos hierarquia.
Um universitário norte-americano é como a [personagem de Harry Potter] Hermione, enquanto um russo é mais como Harry [Potter]: todo mundo sabe que ele é um herói e um mártir, mas isso não aparece nos seus estudos. Ele é apenas diferente. E ele é muito bom no [esporte de bruxaria da série de J.K. Rowling] Quidditch.
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